Direção de Leon Hirszman
Roteiro de Eduardo Coutinho sobre original de Nelson Rodrigues
Foto (p/b) de José Medeiros
Música de Radamés Gnatalli, com canção "Luz Negra" de Nelson Cavaquinho
Elenco: Fernanda Montenegro, Ivan Cândido, Paulo Gracindo, Nelson Xavier, Vanda Lacerda, Joel
Barcelos, Dinorah Brillanti, Hugo Carvana, Billy Davis, Virginia Valli.
Bom primeiro longa de Leon Hirszman ("Eles Não Usam Black-Tie", "São Bernardo"), assinalando
a estréia de Fernanda Montenegro no Cinema em personagem de Nelson Rodrigues. Ela é Zulmira, mulher pobre e frustrada, morando numa vila do subúrbio carioca com o marido sem emprego (Ivan Cândido). A desconfiança de que uma prima e vizinha - loura como lhe "predisse" certa cartomante esperta (Vanda Lacerda) - quer vê-la morta, a leva a se fixar na idéia e, com isso, definha. Mas o seu sonho de vingança é ter um funeral de alto luxo. Realizar-se com a morte ante a insatisfação da vida é o tema nem tão provável, mas poderosamente obsessivo, o que é caro ao nosso ilustre dramaturgo. Se não depressivo (e é), "A Falecida" é certamente o mais mórbido Nelson levado às telas, o que não lhe subtrai os méritos. Com efeito, poucos de seus originais foram tão bem sucedidos como este (e citemos "O Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos e "Toda Nudez será Castigada", de Arnaldo Jabor, como bons resultados).
Fernanda na chuva: estréia perfeita
Cabe ressaltar a sensibilidade e o carinho com que Hirszman cuidou da direção do seu primeiro longa, ele vindo de curta-metragens, ainda mais cercado de uma equipe impecável. E que sorte ter uma grande dama do Teatro como Fernanda Montenegro como protagonista. Ela é aquele assombro de atriz, feia na infeliz Zulmira e, adiante, bonita, ou fascinante, deixando-se molhar na chuva num rodopio de closes, e no seu flashback com o ex-amante rico (Paulo Gracindo). Este, num papel mais secundário e importante, não era ainda o grande ídolo global das novelas, mas já era grande e com um longo currículo de ator de rádio-teatro, animador de auditórios, comediante e astro da luminosa Rádio Nacional. A surpresa para mim é o mal conhecido e subestimado ator Ivan Cândido, excelente no marido que chantageia o ex-amante da mulher para obter a vultosa quantia do funeral, depois gastá-la e encomendar um enterro modesto. Muito boa fotografia de José Medeiros (com o prodigioso Dib Lutfi na câmera de mão) e boas, ainda, as participações de Nelson Xavier no agente funerário conquistador e da ótima Vanda Lacerda na sua breve "leitora" de cartas de baralho.
Fernanda & Gracindo, dupla genial reunida treze anos antes de "Tudo Bem", comédia de Arnaldo Jabor.
Realmente um feliz resultado nessa história tão mórbida quanto fascinante, com notável acerto entre todos os envolvidos, mas é impossível não destacar todo o brilho fornecido por Fernanda Montenegro, atriz completa, capaz de transmitir todas as nuances necessárias da personagem a cada cena, auxiliada pela ousada escolha narrativa do filme. Apesar de suas obsessões, o longa é intimista, sem apelo fácil, e ainda assim, não deixa o espectador indiferente à esta figura, capaz de transformar a própria morte em um delirante meio de resignação, vingança, provocação e superação de seu próprio vazio existencial.
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