domingo, 12 de abril de 2015

"A FALECIDA"


Direção de Leon Hirszman
Roteiro de Eduardo Coutinho sobre original de Nelson Rodrigues
Foto (p/b) de José Medeiros
Música de Radamés Gnatalli, com canção "Luz Negra" de Nelson Cavaquinho

Elenco: Fernanda Montenegro, Ivan Cândido, Paulo Gracindo, Nelson Xavier, Vanda Lacerda, Joel
Barcelos, Dinorah Brillanti, Hugo Carvana, Billy Davis, Virginia Valli.

Bom primeiro longa de Leon Hirszman ("Eles Não Usam Black-Tie", "São Bernardo"), assinalando
a estréia de Fernanda Montenegro no Cinema em personagem de Nelson Rodrigues. Ela é Zulmira, mulher pobre e frustrada, morando numa vila do subúrbio carioca com o marido sem emprego (Ivan Cândido). A desconfiança de que uma prima e vizinha - loura como lhe "predisse" certa cartomante esperta  (Vanda Lacerda) - quer vê-la morta, a leva a se fixar na idéia e, com isso, definha. Mas o seu sonho de vingança é ter um funeral de alto luxo. Realizar-se com a morte ante a insatisfação da vida é o tema nem tão provável, mas poderosamente obsessivo, o que é caro ao nosso ilustre dramaturgo. Se não depressivo (e é), "A Falecida" é certamente o mais mórbido Nelson levado às telas, o que não lhe subtrai os méritos. Com efeito, poucos de seus originais foram tão bem sucedidos como este (e citemos "O Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos e "Toda Nudez será Castigada", de Arnaldo Jabor, como bons resultados).

Fernanda na chuva: estréia perfeita

Cabe ressaltar a sensibilidade e o carinho com que Hirszman cuidou da direção do seu primeiro longa, ele vindo de curta-metragens, ainda mais cercado de uma equipe impecável.  E que sorte ter uma grande dama do Teatro como Fernanda Montenegro como protagonista. Ela é aquele assombro de atriz, feia na infeliz Zulmira e, adiante, bonita, ou fascinante, deixando-se molhar na chuva num rodopio de closes, e no seu flashback com o ex-amante rico (Paulo Gracindo). Este, num papel mais secundário e importante, não era ainda o grande ídolo global das novelas, mas já era grande e com um longo currículo de ator de rádio-teatro, animador de auditórios, comediante e astro da luminosa Rádio Nacional. A surpresa para mim é o mal conhecido e subestimado ator Ivan Cândido, excelente no marido que chantageia o ex-amante da mulher para obter a vultosa quantia do funeral, depois gastá-la e encomendar um enterro modesto. Muito boa fotografia de José Medeiros (com o prodigioso Dib Lutfi na câmera de mão) e boas, ainda, as participações de Nelson Xavier no agente funerário conquistador e da ótima Vanda Lacerda na sua breve "leitora" de cartas de baralho.

Fernanda & Gracindo, dupla genial reunida treze anos antes de "Tudo Bem", comédia de Arnaldo Jabor.





Um comentário:

  1. Realmente um feliz resultado nessa história tão mórbida quanto fascinante, com notável acerto entre todos os envolvidos, mas é impossível não destacar todo o brilho fornecido por Fernanda Montenegro, atriz completa, capaz de transmitir todas as nuances necessárias da personagem a cada cena, auxiliada pela ousada escolha narrativa do filme. Apesar de suas obsessões, o longa é intimista, sem apelo fácil, e ainda assim, não deixa o espectador indiferente à esta figura, capaz de transformar a própria morte em um delirante meio de resignação, vingança, provocação e superação de seu próprio vazio existencial.

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