quinta-feira, 16 de abril de 2015

"DESEJO QUE ATORMENTA"




(Senilità)

Direção de Mauro Bolognini, 1962

Roteiro de Goffredo Parise, Tullio Pinelli & Mauro Bolognini

Foto (p/b) de Armando Nannuzzi

Música de Piero Piccioni

Elenco: Anthony Franciosa, Claudia Cardinale, Philippe Leroy, Betsy Blair, Raimondo Magni,
             Nadia Marlowa, Franca Mazzoni, John Stacy.


Cardinale & Franciosa: uma paixão "impura" num dos melhores trabalhos de Mauro Bolognini no seu auge.


Trieste, anos 20. Um funcionário público solteirão, Emilio (Anthony Franciosa), inexperiente no amor, conhece e se apaixona perdidamente por Angiolina (Claudia Cardinale), linda jovem pobre
que ele idealiza como pura e honesta. Em encontros fugazes, que vão se tornando mais freqüentes,
esse amor respeitoso passa a ganhar o aspecto de uma obsessão, enquanto Emilio vai aos poucos se
decepcionando com o comportamento duvidoso da moça, ambígua e dissimulada, com uma relação
de conveniência com um senhor idoso e segredos acerca de si mesma. Os comentários ouvidos acerca da vida irregular de Angiolina o perturbam, sem que ele consiga pensar em perdê-la e chegando até mesmo a assumi-la como sua amante. No apartamento modesto que divide com a irmã mais velha,
Amalia (Betsy Blair), igualmente solitária e reprimida, costuma receber as visitas joviais de seu 
amigo Stefano (Philippe Leroy), formado nas Belas Artes, que também o alerta quanto à coqueteria suspeita de Angiolina, a quem gostaria de ter como modelo qualquer dia. Ocorre que Emilio se vê obrigado a dispensar a presença do amigo em casa, ao notar a paixonite insegura da irmã por Stefano.


Perplexo e magoado, Emilio descobre uma escultura óbvia no ateliê do amigo.


O agravamento da saúde da irmã desiludida, com o consumo abusivo de éter a conduz à morte, o que
talvez coincida com uma retomada de consciência de Emilio e seu rompimento com a amante, constatando ele que Angiolina consentiu em posar nua para Stefano.
Realizado em pleno Renascimento do cinema italiano - que curiosamente produzia, então, o pior (as
fantasias com halterofilistas) e, na certa, o melhor em filmes - "Senilità" dá continuidade à carreira vitoriosa de Bolognini no início da década de 60. Dela constam títulos como "A Longa Noite de Loucuras", sua obra-prima "O Belo Antônio" (ambos de 1959, quando se salientou como relevante cineasta), "Um Dia de Enlouquecer" (1960) e este impressivo e tocante "Desejo que Atormenta", com talvez as melhores interpretações de Franciosa (intenso, mas contido em seus excessos, já que simboliza a acomodação burguesa) e de Claudia Cardinale (bela sempre, misteriosa e sedutora) até hoje.. 
Betsy Blair, a sensível "namorada feia" de "Marty", dá conta de seu papel difícil com sabedoria e Philippe Leroy convence bastante como Stefano. Locações autênticas em Trieste captadas pela brilhante fotografia de Armando Nannuzzi e trajes e detalhes de época a cargo do mestre Piero Tosì. Impecável lançamento em DVD da Cult Classic.









domingo, 12 de abril de 2015

"A FALECIDA"


Direção de Leon Hirszman
Roteiro de Eduardo Coutinho sobre original de Nelson Rodrigues
Foto (p/b) de José Medeiros
Música de Radamés Gnatalli, com canção "Luz Negra" de Nelson Cavaquinho

Elenco: Fernanda Montenegro, Ivan Cândido, Paulo Gracindo, Nelson Xavier, Vanda Lacerda, Joel
Barcelos, Dinorah Brillanti, Hugo Carvana, Billy Davis, Virginia Valli.

Bom primeiro longa de Leon Hirszman ("Eles Não Usam Black-Tie", "São Bernardo"), assinalando
a estréia de Fernanda Montenegro no Cinema em personagem de Nelson Rodrigues. Ela é Zulmira, mulher pobre e frustrada, morando numa vila do subúrbio carioca com o marido sem emprego (Ivan Cândido). A desconfiança de que uma prima e vizinha - loura como lhe "predisse" certa cartomante esperta  (Vanda Lacerda) - quer vê-la morta, a leva a se fixar na idéia e, com isso, definha. Mas o seu sonho de vingança é ter um funeral de alto luxo. Realizar-se com a morte ante a insatisfação da vida é o tema nem tão provável, mas poderosamente obsessivo, o que é caro ao nosso ilustre dramaturgo. Se não depressivo (e é), "A Falecida" é certamente o mais mórbido Nelson levado às telas, o que não lhe subtrai os méritos. Com efeito, poucos de seus originais foram tão bem sucedidos como este (e citemos "O Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos e "Toda Nudez será Castigada", de Arnaldo Jabor, como bons resultados).

Fernanda na chuva: estréia perfeita

Cabe ressaltar a sensibilidade e o carinho com que Hirszman cuidou da direção do seu primeiro longa, ele vindo de curta-metragens, ainda mais cercado de uma equipe impecável.  E que sorte ter uma grande dama do Teatro como Fernanda Montenegro como protagonista. Ela é aquele assombro de atriz, feia na infeliz Zulmira e, adiante, bonita, ou fascinante, deixando-se molhar na chuva num rodopio de closes, e no seu flashback com o ex-amante rico (Paulo Gracindo). Este, num papel mais secundário e importante, não era ainda o grande ídolo global das novelas, mas já era grande e com um longo currículo de ator de rádio-teatro, animador de auditórios, comediante e astro da luminosa Rádio Nacional. A surpresa para mim é o mal conhecido e subestimado ator Ivan Cândido, excelente no marido que chantageia o ex-amante da mulher para obter a vultosa quantia do funeral, depois gastá-la e encomendar um enterro modesto. Muito boa fotografia de José Medeiros (com o prodigioso Dib Lutfi na câmera de mão) e boas, ainda, as participações de Nelson Xavier no agente funerário conquistador e da ótima Vanda Lacerda na sua breve "leitora" de cartas de baralho.

Fernanda & Gracindo, dupla genial reunida treze anos antes de "Tudo Bem", comédia de Arnaldo Jabor.